Faz lembrar as aulas de português, cujas carteiras as nossas mãos sabiam de cor. Cada sulco, um desespero, ou apenas um despreocupado passar do tempo; mutatis mutandis...mutante. Lembro-me de sentir o contraplacado liso e fresco debaixo dos papéis deixados ao sabor de uma bic, o barulho leve da esfera que me trazia as respostas que procurava, mais ou menos caoticamente num enunciado que li sempre demasiado rápido. Agora, como então, muito pouco académica. Agora, como então, demasiadas frases interrogativas. Agora, como então, raciocínios de demasiadas páginas.
Duas dezenas e meio de anos e muitos parágrafos depois, substitui a esfera por quadrados electrónicos. Creio que já nem seria capaz de desenhar decentemente três ou quatro linhas na melhor letra trabalhada à sombra da do meu pai, arisca e apressada.Era uma letra com vergonha de ser descoberta, a dele. E aquilo fascinava-me.
Passamos demasiado tempo a perguntar porquê sem querer a verdadeira resposta. Passamos demasiado tempo a pensar que estamos muito longe do bipolarismo adolescente e que agora somos pessoas, ou personas, adultas. Passamos demasiado tempo a esconder que queremos exactamente o mesmo que queríamos há uma ou duas décadas, mas que se torna cada vez mais dificil e cínico consegui-lo. Sinos, há quem os ouça. Dobrar, dobramos todos.