Andar de plataformas é como andar de bicicleta, nunca se esquece.

No círculo de fumadores, todos o experienciaram.Há a velha máxima "não comprarás, ele virá até ti"; há ainda outra "hoje é o meu, amanhã será o teu". Seja qual for a regra mínima, o que é facto é que a circulação de isqueiros aproxima da ideia de biblioteca global...de bolso. Há uma semana tinha 3 isqueiros. Há 3 dias, nenhum.Ontem, um..e nenhum dos três. Hoje nenhum. Perdem-se na roupa, na carteira, nos bolsos dos outros. Às vezes no meu. Não adianta serem finos, coloridos ou iguais aos outros. Não adianta procurar. É quase o milagre da multiplicação...ou da desaparição. Vou começar a andar com caixas de fósforos de cozinha, parece-me mais seguro.

Pernas trôpegas que se arrastavam pelo caminho, tacteavam sentidos em busca de reflexos que há muito se tinham escondido dentro dos músculos. A explosão de dor que os acorda é quase irreal, faz-nos sentir quase vivos. Digo quase porque nos movimentos robotizados dos dias que passam por nós, raramente nos apercebemos que viver é isso mesmo, cortar com as articulações que nos prendem aos vários caminhos que escolhemos não seguir. A vida faz-se também de opções que não tomámos e muitas continuam lá, à espreita e à espera. Chega a ser um stand-by em que a luz de presença é mais forte do que a vontade de prosseguir. Ser, existir, excluir, exigir. É um ex qualquer coisa e um in -. Um drive-in.

Um dia, enquanto estendia a roupa, deixei cair uma toalha que ficou num estendal vizinho. Após algumas tentativas infrutíferas de a recuperar, ela desapareceu misteriosamente do estendal. Nunca mais tive notícias. Soube, há poucos dias, que não é caso único. Dos 90 apartamentos do condomínio, há alguém que tem uma predilecção especial por toalhas alheias. A porteira já se ofereceu para as resgatar, mediante descrição detalhada.
Adoro.

Não chegou a ser um regresso à realidade, porque não me afastei dela. Dias tranquilos, tarefas concretizadas, reencontros, uns quilos e um ano a mais.